Faraós Negros: A Poderosa 25ª Dinastia que Revolucionou o Egito Antigo
Vindos do reino de Cuxe (atual Sudão), esses governantes não apenas unificaram um Egito fragmentado, mas também restauraram tradições religiosas, construíram monumentos impressionantes e enfrentaram o poderoso Império Assírio, deixando um legado cultural que só recentemente começou a receber o devido reconhecimento arqueológico.
A Ascensão dos Governantes Núbios
No século VIII a.C., o Egito encontrava-se em um período de fragmentação política conhecido como Terceiro Período Intermediário. O país estava dividido entre diversos chefes guerreiros locais, principalmente de origem líbia, que disputavam o poder. Essa fragmentação enfraqueceu o Egito tanto política quanto culturalmente, com muitos dos novos governantes abandonando tradições religiosas milenares.
Ao sul, na região da Núbia (atual Sudão), floresceu o Reino de Cuxe, uma civilização africana que havia absorvido muitos elementos da cultura egípcia durante séculos de contato. Os núbios, que haviam sido dominados pelos egípcios durante o Império Novo (1550-1070 a.C.), desenvolveram uma profunda admiração pelas tradições religiosas egípcias, especialmente o culto ao deus Amon.
Quando os sacerdotes de Amon em Tebas viram suas tradições ameaçadas pelos governantes líbios do norte, voltaram-se para os núbios como possíveis salvadores da religião e cultura egípcias. Ironicamente, os núbios haviam se tornado “mais egípcios que os próprios egípcios”, preservando tradições que estavam sendo abandonadas no próprio Egito.
Os Principais Faraós da 25ª Dinastia
Piye (750-712 a.C.): O Conquistador

Piye (também conhecido como Piankhi) foi o fundador efetivo da 25ª dinastia. Em 730 a.C., ele liderou uma campanha militar pelo rio Nilo, conquistando primeiro Tebas, no Alto Egito, e depois avançando para o norte. Antes das batalhas, Piye ordenava que seus soldados se purificassem nas águas do Nilo e aspergissem água do templo de Amon em Karnak, demonstrando seu profundo respeito pelas tradições religiosas egípcias.
Após um ano de campanha, Piye derrotou todos os chefes guerreiros do Egito, incluindo Tefnakht, o líder do delta. Curiosamente, após sua vitória, Piye retornou à Núbia e nunca mais voltou ao Egito, governando remotamente. Quando morreu em 715 a.C., foi sepultado em uma pirâmide em El-Kurru, no Sudão, junto com seus cavalos favoritos – retomando uma tradição funerária egípcia que havia sido abandonada por mais de 500 anos.
Shabaka (712-698 a.C.): O Consolidador

Irmão de Piye, Shabaka decidiu transferir o centro de poder para Mênfis, em território egípcio, consolidando a presença núbia no Egito. Ele ordenou a construção de diversos monumentos em Tebas e Luxor, muitos dos quais ainda existem hoje.
Em Karnak, Shabaka eternizou sua imagem em uma estátua de granito rosa na qual aparece com uma coroa formada por duas serpentes – simbolizando a unificação do Alto e Baixo Egito.
Shabaka também ficou conhecido por suas obras civis, como a construção de diques para proteger aldeias egípcias das inundações do Nilo. Em vez de executar seus inimigos, como era comum na época, ele os colocava para trabalhar nessas obras públicas, demonstrando uma abordagem mais humanitária de governo.
Taharqa (690-664 a.C.): O Guerreiro e Construtor

Filho de Piye, Taharqa assumiu o trono em 690 a.C., após a morte de seu irmão Shabataka. Antes mesmo de se tornar faraó, ele já era conhecido como um hábil guerreiro e comandante militar. Durante seu reinado de 26 anos, Taharqa lançou o mais ambicioso programa de construções civis desde o Novo Império.
Em Karnak, ele mandou erguer dez colunas de 19 metros de altura, formando um impressionante pavilhão dedicado ao deus Amon.
Também construiu capelas ao redor do templo e ergueu estátuas de si mesmo e de sua mãe, Abar. Na cidade núbia de Napata, Taharqa construiu dois templos no sopé do monte sagrado Jebel Barkal, considerado a terra natal de Amon.
Taharqa é mencionado na Bíblia (como “Tiraca” no Livro dos Reis) por seu papel na defesa de Jerusalém contra os assírios. Em 701 a.C., ainda como príncipe, ele liderou tropas egípcias contra o imperador assírio Senaqueribe na batalha de Eltekeh, na Palestina. Embora não tenha sido uma vitória decisiva, a presença de Taharqa pode ter contribuído para a retirada dos assírios de Jerusalém.
Influência Cultural e Religiosa no Egito

Sob o domínio dos Faraós Negros, o Egito experimentou um verdadeiro renascimento cultural e religioso. Os governantes núbios se apresentavam como legítimos herdeiros das tradições faraônicas, adotando nomes de faraós anteriores e promovendo o culto a Amon, que havia sido negligenciado pelos governantes líbios.
Esse período ficou marcado pela restauração de templos antigos e pela construção de novos monumentos. Os núbios não apenas preservaram a arte egípcia tradicional, mas também introduziram elementos de sua própria cultura, criando um estilo único que combinava características egípcias e núbias.
Restauração Religiosa
Os Faraós Negros eram devotos fervorosos de Amon, o deus solar com cabeça de carneiro. Eles investiram enormes recursos na restauração e ampliação dos templos dedicados a esta divindade, especialmente em Karnak e Luxor.
Essa devoção lhes garantiu o apoio dos poderosos sacerdotes de Amon, que viam nos núbios os restauradores da verdadeira religião egípcia.
Além de Amon, os faraós núbios também promoveram o culto a outras divindades tradicionais egípcias, como Osíris e Ísis. Eles patrocinaram festivais religiosos e procissões que haviam caído em desuso, revitalizando a vida espiritual do Egito.
Arquitetura e Arte

Na arquitetura, os Faraós Negros retomaram a construção de pirâmides, uma tradição que havia sido abandonada no Egito por mais de meio milênio. No entanto, as pirâmides núbias eram menores e mais íngremes que as egípcias clássicas, refletindo uma adaptação local da tradição.
Na arte, os governantes núbios eram representados com características físicas africanas evidentes, como lábios mais cheios e narizes mais largos, mas usando os tradicionais adornos faraônicos, como a coroa dupla e o uraeus (a serpente sagrada). Essa combinação de elementos criou um estilo artístico único que refletia a fusão cultural entre Egito e Núbia.
Desafios Políticos e Conflitos com Impérios Rivais

Apesar de seu poder e prestígio, a 25ª dinastia enfrentou desafios formidáveis, principalmente a ameaça do expansionista Império Assírio. O conflito com os assírios marcaria o início do fim do domínio núbio sobre o Egito.
O Confronto com os Assírios
Durante o reinado de Taharqa, as tensões com a Assíria aumentaram quando o faraó núbio apoiou revoltas contra o domínio assírio no Levante. Em 674 a.C., o rei assírio Esarhaddon invadiu o Egito, mas foi repelido pelas forças de Taharqa.
Determinado a vingar esta derrota, Esarhaddon lançou uma nova invasão em 671 a.C. Após 15 dias de batalhas sangrentas, os assírios conseguiram tomar Mênfis. Taharqa, ferido cinco vezes, conseguiu escapar e fugir para o sul. Seguindo a tradição assíria, Esarhaddon massacrou os habitantes de Mênfis e “erigiu montes com suas cabeças”.
Após a morte de Esarhaddon em 669 a.C., Taharqa conseguiu brevemente recuperar Mênfis, mas logo foi expulso novamente pelos assírios, agora liderados por Assurbanipal. Taharqa nunca mais retornou ao Egito, passando seus últimos anos em Napata, onde morreu em 664 a.C.
O Fim da Dinastia

Tanutamon, sobrinho de Taharqa, foi o último faraó da 25ª dinastia. Ele tentou recuperar o controle do Egito, mas foi definitivamente derrotado pelos assírios em 657 a.C. Com isso, encerrou-se o período dos Faraós Negros, e o Egito passou a ser governado pela 26ª dinastia, fundada por Psamético I com apoio assírio.
Psamético I tentou apagar todos os vestígios do domínio núbio, destruindo monumentos e estátuas dos faraós da 25ª dinastia. Em 592 a.C., ele enviou um exército à Núbia para destruir qualquer lembrança do governo núbio, durante o reinado do rei cuxita Aspelta. Esta expedição e suas destruições são registradas em várias estelas da vitória, especialmente a Estela da Vitória de Calabexa.
Apesar da tentativa de apagar sua memória, o legado dos Faraós Negros sobreviveu através dos monumentos que escaparam à destruição e das pirâmides que construíram em território núbio, no atual Sudão.
Legado Arqueológico e Descobertas Modernas

Durante muito tempo, a história dos Faraós Negros foi negligenciada pela arqueologia tradicional, em parte devido ao preconceito racial que dominava a disciplina no século XIX e início do XX.
Mesmo o famoso egiptólogo americano George Reisner, que descobriu as primeiras evidências do domínio núbio sobre o Egito entre 1916 e 1919, recusava-se a acreditar que esses governantes pudessem ter sido negros, preferindo a tese de que teriam pele mais clara, herança de antepassados egípcios e líbios.
Redescoberta de uma Civilização
A partir da década de 1960, com a construção da barragem de Assuã e as escavações de salvamento que se seguiram, a história núbia começou a receber mais atenção. Arqueólogos como o suíço Charles Bonnet dedicaram décadas ao estudo da civilização de Cuxe, revelando um centro urbano densamente povoado que controlava campos férteis e imensos rebanhos, e que prosperou com o comércio de ouro, ébano e marfim.
Em 2003, Bonnet fez uma descoberta sensacional: sete grandes estátuas de pedra representando faraós núbios, enterradas em uma cratera próxima ao rio Nilo, no norte do Sudão. As estátuas, que tiveram suas cabeças e pés esmagados, foram provavelmente destruídas e enterradas pelos egípcios como forma de apagar os registros do domínio núbio.
As Pirâmides do Sudão

As pirâmides do Sudão, mais numerosas que as do Egito, são um espetáculo impressionante no deserto da Núbia. Diferentemente das famosas pirâmides egípcias, as núbias são menores e têm ângulos mais íngremes, mas não menos impressionantes em seu conjunto.
Os principais sítios de pirâmides núbias incluem:
- El-Kurru: Onde foram sepultados Piye e outros primeiros faraós da 25ª dinastia
- Nuri: Escolhido por Taharqa para sua sepultura, inaugurando um novo cemitério real
- Meroé: Contém mais de 200 pirâmides do período posterior, quando a capital cuxita foi transferida para o sul após a invasão egípcia de 592 a.C.
Infelizmente, muitos sítios arqueológicos núbios estão ameaçados por projetos de desenvolvimento, como a barragem de Merowe, concluída em 2009, que inundou áreas ao redor da Quarta Catarata do Nilo, incluindo milhares de sítios arqueológicos ainda inexplorados.

O Legado dos Faraós Negros
A história dos Faraós Negros desafia narrativas simplistas sobre o passado africano e demonstra a existência de uma poderosa civilização negra que não apenas prosperou, mas também dominou o Egito por quase um século. Seu legado vai além das pirâmides e monumentos que construíram; eles representam um capítulo crucial na história das interações culturais entre diferentes povos africanos.
Os governantes núbios da 25ª dinastia não foram meros imitadores da cultura egípcia, mas sim inovadores que combinaram elementos de ambas as tradições, criando algo único. Eles preservaram e revitalizaram tradições egípcias que estavam sendo abandonadas, ao mesmo tempo em que introduziram elementos de sua própria cultura.
O estudo da 25ª dinastia nos lembra que a história da África é rica e complexa, com civilizações sofisticadas que deixaram marcas profundas no desenvolvimento humano. À medida que novas descobertas arqueológicas continuam a iluminar este período fascinante, nossa compreensão dos Faraós Negros e seu lugar na história mundial só tende a se aprofundar.


